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"Fechada igual caixão"

 Acho que fui perdendo a vontade de escrever porque o tamanho das incertezas me deixava insegura de só começar. Sinto que a vida adulta foi me amargurando e que fiquei presa nas frestas das coisas que estão ocultas e as que se materializam através dos olhos. Quando fiz a disciplina Fundamentos da matemática elementar I, fiz sabendo que era sobre a filosofia ter me colocado em situações completamente não cartesianas porém racionalizáveis até demais. Tenho escrito menos, porque racionalizo as possibilidades em ruminações intermináveis, lacrada dentro de mim mesma. Nesse momento, tem sido difícil escrever com tinta branca - ou escrever solamente .

Marte em Leão

A escrita da contemporaneidade é dolorida, para mim, no que tende à tristeza. O neoliberalismo (nem tão sorrateiramente assim) se torna uma infiltração gigante na parede do quarto, daquele tipo que o mofo causa alergias respiratórias. Constantemente repito em voz alta que 'estou cansada demais' ou 'eu só trabalho' e, ainda, 'eu não tenho vida antes das duas da madrugada'. Não é totalmente verdade, porque existo em outros horários onde sou outras tantas versões de mim mesma; porém, é somente entre as três e as cinco que me sinto pertencente a narração da minha história particular - a que não envolve outros. Nesse cenário, não fico apenas ruminando as memórias, como também sonho de olhos abertos com o horizonte perfeito que habita a minha imaginação.  Mesmo assim, ainda há verdade nas minhas afirmações, sigo correndo para capturar o tempo e ser, na maior grandiosidade possível, aquilo que dá para ser. Tem quem me diga que dou importância demais ao que é humano - p

Apendicite

Descobri que existe certa distância entre o trauma e o ressentimento; um deles é capaz de ir se dissolvendo, de dar espaço à outras memórias e experiências, o outro se impregna nas suas entranhas e se desenvolve dentro de você feito um órgão. Em 2023 fiquei exausta dos traumas e das ruminações. Sigo em eminência de um colapso, porque a tristeza é imensa e há respostas que nunca virão, pedidos de desculpas que nunca se farão suficientes, perdões que não cabem a mim oferecer. A maior das tristezas é a dificuldade de visualizar o que eu fiz do que fizeram comigo e quem eu sou a parte disso; me apavora a ideia de que eu sou apenas um apanhado de histórias que eu conto para mim mesma - ou sobre mim mesma.  Sabe que eu sempre detestei os arquétipos de guerreiras, deusas, mulheres que só são consideradas incríveis porque transcenderam a humanidade. Um dos meus desejos mais profundos é o direito a ser uma pessoa - falei disso um montão de vezes. Recentemente tatuei o rosto de Deméter, a mãe, e

Ressentimento

 É complicado dizer que estive em uma depressão. Meu momento mais deprimido tem a ver com um ressentimento tão antigo que sinto que me apeguei a ideia de que queria importar a alguém - hoje já não consigo afirmar com tanta precisão. De aniversário esse ano, me dei um lugar novo para morar e isso foi, sem dúvidas, a minha maior conquista de dois mil e vinte e três.  Ando tentando curar o ressentimento, porque deixei que ele me engolisse e retirasse de mim os meus alicerces comigo mesma. Tranquei a faculdade como quem tranca a si próprio nas profundezas do eu, passei dez meses inteiros prisioneira num quarto escuro e úmido, feito pulga - a praga que se manifesta nas minhas mágoas e se multiplica num piscar de olhos.  Há muito o que colocar no lugar. As vezes me sento a mesa de plástico na sala e imagino um mundo novo, porque a desesperança é reacionária e não sou conservadora, anseio pelos recomeços o tempo inteiro. Nesse sentido, já não posso mais passar um durex nos planos que rasguei

Ostra nasce do lodo

Achei que não fosse conseguir escrever o meu texto sagrado sobre a minha mais recente revolução solar, praticamente não escrevo mais fora das linhas da minha cabeça. Teve tudo aquilo do que não consegui escapar. Fiquei triste de verdade, sinto que fui encolhendo e não consegui mais voltar a escrever, porque as ideias ficavam soltas, raivosas umas com as outras, sem a possibilidade de definir o que é, exatamente, o que eu vou dar como encerrado nas minhas ruminações. Receio que eu tenha me encontrado com assuntos de um outro eu, e me fere profundamente, porque o amor é o que se faz, não o que se fala.  Completei o último dos vinte e anos. Na última vez que estive aqui cumprindo esse ritual, desejei que o que viesse, não gerasse tumulto. Sinto que fui ingênua com o meu otimismo, porque passei o meu último ano enfrentando bestas enormes do meu passado. Andei tanto em círculos que cavei um fundo do poço, paguei o aluguel mais caro do mundo; depois realizei que mereço mais, juntei as minhas

Mil e uma noites

Costumo me fazer repetitiva quanto a alguns ditados que permeiam a minha vida; pensando nisso, tenho sido insistente com o fato de que a tristeza é imensa, uma represa massiva com muralhas em volta. Fato é que as mesmas águas que fixam, também são aquelas que rompem. Me atentei que a existência é um ciclo constante de entrar e sair da caverna: deixamos de enxergar somente as sombras, mas o mundo é rude; nele construo um forte e em seu interior ergo, passo a passo, a minha terra prometida. Nos solos sagrados do meu lindo mundo da imaginação, as águas fixam a certeza de que dias mais leves virão, porém também causam rachaduras nos paredões, porque tenho pressa, a mudança urge impacientemente faz dois mil anos. É possível que eu tenha me deixado iludir, entretanto, através dessa fissura, enxerguei aquilo que se manteve oculto, silencioso, do lado de fora.  Me feriu tanto que a tristeza suprimiu a raiva e eu quis chorar por mil e uma noites. 

E eu não sou uma pessoa?

Seria injusto comigo mesma dizer que a essa altura do campeonato a vida já deveria ser melhor; não tenho mais a ingenuidade de pensar que os dias calmos não carregam consigo, também, as tempestades em copo d'água. Rumino muito o cotidiano e quem eu sou - as minhas várias personalidades, os meus inúmeros espíritos obsessores. Achei curioso, porque tem determinadas fritações que vem e vão, sempre diferentes, porque nunca se entra no mesmo rio duas vezes e, não sendo a mesma água e nem eu a mesma pessoa, como é que pode o objeto que me abriu essa tão recente ferida ser uma mágoa antiga? Soube da resposta no segundo seguinte em que questionei, mas será que dá para ser bem resolvido com a misoginia? Com as hierarquias discursivamente construídas?  E eu não sou uma pessoa?  Na 'terra prometida por mim mesma' eu sou.