Escrevo essa carta para você, que nunca me escreveu nenhuma. Fico mais recalcada que chateada, mas ligo menos do que acho que ligo. E nem digo que te amo, porque nem tenho certeza. E nem quero que seja meu, porque não sou de ninguém. Tomara que você consiga reivindicar o seu eu esquecido em outras juras de amor; e vendo por essa perspectiva, quem quer juras de amor? Jurar qualquer coisa custa caro demais, imagina jurar amor. Te amo porque sim ou não te amo, não dá pra ficar jurando por aí um dom imerecido. Não se jura de morte, nem de vida, nem de amor. E olha que jurei muito amor e me custou caro demais.
Tem essa música do The Smiths que me captura muito, de formas que se transformam ao longo do tempo. Vivi uma grande fossa com "I know it's over", fiquei na baixa das emoções, provei o gosto amargo de deus quando ele não deu asas a cobra, também quando arrancou o veneno. Hoje escuto como quem sabe que o fim das juras de amor também é o grande luto do romantismo cristão, da queda da família, do ideário minuciosamente construído, dos arquétipos maliciosos de felizes para sempre. Por isso sei que ligo menos do que sinto que ligo e vivo essa nova fossa embalada pela mesma canção.
A minha principal forma de linguagem é a escrita, é por onde um pedaço da minha alma escapa e revela o que a linguagem verbal e corporal e qualquer que seja não são capazes de revelar, onde o oculto não existe. Carrego comigo meus próprios mitos, mas também compartilho sentenças com Cassandra, Medusa, Deméter, Perséfone, Clície, Medeia. Tenho um quê de megera, mas sou indomável. Cada um com o seu cada um. Escrevo essa carta mais para mim do que para os outros - e só chamo de carta porque gosto, não porque é.
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