Você me diz em um minuto e meio o quanto a minha frieza te surpreende, com um tom que se mistura, que transita entre o choque hipócrita e a sua crise narcísica. Fico triste, lógico, mas quer me matar de raiva é me forçar a ouvir gente sem moral, gente que não vale o chão que pisa.
Ouvi quinze segundos e meu dia quase acabou - mas não tive o privilégio de me recolher e sofrer o lugar que me foi designado. Entre tentar existir nos espaços que antes me trouxeram alegria (como o acesso a universidade e o escutar músicas a tarde sentada na frente do computador) até a lista interminável de coisas a fazer (oferecer um mini curso, me deslocar pela cidade, buscar a criança na escola, vestir o uniforme e ir trabalhar) ainda faltaram um minuto e quinze que eu nem quis, nem consegui e nem precisava ouvir.
Essa estrutura devastadora de ter que ser permanentemente mais maleável, mais desdobrável, mais mansa. Mais??? Estou por um fio do ressentimento crônico, intrinsecamente relacionado com o lócus do cuidado.
A semana seguiu seus dias e neles trabalhei igual uma filha da puta, "se tem que fazer, tem que fazer". Eu nem tive a brecha de ser uma pessoa, existi na constante condição de quem não consegue atender as próprias demandas, me sinto sobrecarregada com tantas problemáticas alheias que sobraram para eu dar vazão. Só nesse fim de semana fiz vinte e cinco horas de expediente. Como é que eu posso ser fria se não sou nem um ser humano? Me atravessou o peito profundamente em míseros quinze segundos.
Mesmo assim, não troco o chumbo, de nada me interessa agir dessa forma sorrateiramente horrorosa. Faço o que eu tenho que fazer, com pressa e sem pausas. Passo os dias aspirando com seringa o veneno que se espalha pelo meu coração, para não me permitir ser amaldiçoada por essa praga emocional.
Você me diz, com a boca cheia de palavras cortantes, que a vida é uma só para não relevar. E aí outra vez eu não sou nem gente. Que bobagem a minha, sabe? Fato é que as portas do meu coração se fecharam para você e sinto muito por mim, porque fiquei tempo demais me condenando a esse lugar como se eu não pudesse ir embora.
¿Adivina? Yo puedo.
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