Pular para o conteúdo principal

Marte em Leão

A escrita da contemporaneidade é dolorida, para mim, no que tende à tristeza. O neoliberalismo (nem tão sorrateiramente assim) se torna uma infiltração gigante na parede do quarto, daquele tipo que o mofo causa alergias respiratórias. Constantemente repito em voz alta que 'estou cansada demais' ou 'eu só trabalho' e, ainda, 'eu não tenho vida antes das duas da madrugada'. Não é totalmente verdade, porque existo em outros horários onde sou outras tantas versões de mim mesma; porém, é somente entre as três e as cinco que me sinto pertencente a narração da minha história particular - a que não envolve outros. Nesse cenário, não fico apenas ruminando as memórias, como também sonho de olhos abertos com o horizonte perfeito que habita a minha imaginação. 

Mesmo assim, ainda há verdade nas minhas afirmações, sigo correndo para capturar o tempo e ser, na maior grandiosidade possível, aquilo que dá para ser. Tem quem me diga que dou importância demais ao que é humano - pelo menos ao que diz respeito à humanidade; entretanto, sinto que é inerente a minha personalidade o desejo de investigar toda a pluralidade que reside num único sujeito e, também, todas as condições que um indivíduo está sujeitado no universo. 

E afirmo: o cru do mundo é áspero, intragável, difícil de olhar. 

E eu sou uma existência furiosa, de pé chamando temporais e, em alguns momentos, sendo tempestade em copo d'água. Tenho certa dificuldade em organizar a raiva, porque pra mim 'o que é certo, é certo' e não tem como a gente entrar num debate a respeito disso, alimento uma ultra valorização da ética e da moral quando guiadas por células revolucionárias. Sonho demais. Questiono demais. Meu maior defeito e a minha maior qualidade é que eu falo na tora. Quem gostou bate palma, quem não, paciência. Mesmo assim sou desdobrável, já diria Adélia Prado, "vai ser cocho na vida é maldição de homem". 

Quando houve a leitura do meu mapa astral, uma amiga querida ressaltou que a minha quadratura de marte com o sol me faz ter problemas com figuras de autoridade masculinas: "Seu pai, patrões, marido. Nem Deus, nem marido, nem patrão. Uma veia feminista anarquista, de certa forma.". Essa observação me faz feliz, porque ser desdobrável não é sinônimo de ser submissa e neutra em questões onde é preciso se colocar no mundo. 

Em 2024 encaro a chegada dos trinta e o último ano do meu retorno de Saturno, portanto, espero que com essa última volta em torno de si mesmo, esse singelo planeta traga o karma e o dharma que mereço - e que entregue o que é de cada um também.

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Impermeável

Você me diz em um minuto e meio o quanto a minha frieza te surpreende, com um tom que se mistura, que transita entre o choque hipócrita e a sua crise narcísica. Fico triste, lógico, mas quer me matar de raiva é me forçar a ouvir gente sem moral, gente que não vale o chão que pisa.  Ouvi quinze segundos e meu dia quase acabou - mas não tive o privilégio de me recolher e sofrer o lugar que me foi designado. Entre tentar existir nos espaços que antes me trouxeram alegria (como o acesso a universidade e o escutar músicas a tarde sentada na frente do computador) até a lista interminável de coisas a fazer (oferecer um mini curso, me deslocar pela cidade, buscar a criança na escola, vestir o uniforme e ir trabalhar) ainda faltaram um minuto e quinze que eu nem quis, nem consegui e nem precisava ouvir.  Essa estrutura devastadora de ter que ser permanentemente mais maleável, mais desdobrável, mais mansa. Mais??? Estou por um fio do ressentimento crônico, intrinsecamente relacionado co...

Eu odeio gente chique

Me encontro nesse momento com o coração partido. de luto, ferida por essa vida de mula, chateada demais com a burguesia safada. Depois que você começa a ler o mundo o oculto para de existir, determinadas nuances se escancaram e ninguém quer romper com os próprios privilégios - herdados de uma exploração multifacetada. Honestamente, que tristeza.  Nos últimos dois meses a vida me mastigou e me cuspiu de volta. Complicado ser uma mulher ousada no meio de porcos capitalistas, mas que se foda. Invisto toda a energia possível em não ser um saco de lixo, a despeito dos meus privilégios de pessoa branca com acesso a direitos básicos como a educação superior ou algum lazer. O que me atravessa o peito é ver essa gente espiando culpa burguesa através de qualquer face da exploração e se ofendendo quando alguém aponta e diz que é o que é.  Eu escrevo as minhas linhas - tortas ou não, certo ou errado -, e determinadas histórias eu tenho me decidido a parar de contar. É o fim de uma era, e...

Recado

Já me ocorreu, antes, de morrer por dentro de forma súbita. Vivi muitos processos de lutos internos, que se arrastaram por tempos infinitos, até ser capaz de ressuscitar. Há oito anos, eu chorei o ano inteiro; hoje eu queria querer chorar. Fui alertada por uma amiga querida (que já o fez antes sobre tantas questões) que tenho problemas com o processamento da dor. Sou teimosa, mas meus pensamentos pensam pensamentos obsessivamente, lógico que considerei o aviso.  Acho que tenho medo de voltar a chorar mundos inteiros, completamente apavorada com o falecimento de alguma camada da alma através da tristeza. Em 07 de junho de 2022, publiquei na minha newsletter sobre os traços traiçoeiros da minha personalidade; revisito sempre os meus escritos do passado, resquícios dos questionamentos que me trouxeram até aqui. No parágrafo que me trouxe até aqui, eu digo que "As minhas artérias carótidas trabalham fisiológico e subjetivamente sem descanso; tem quarenta mil corpos neuronais no meu co...